segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Ensaio sobre a insanidade cotidiana

Decidi retomar o blog e escrever. Mesmo que seja só em pequenos fragmentos. Mesmo que sejam só asserções sem fundamento. Mesmo que seja esteticamente desmezinhado. Mesmo que eu me repita.
Eu acho que minha visão pode ser de utilidade pro mundo ao meu redor.

Por isso preciso começar por um curto ENSAIO SOBRE A INSANIDADE COTIDIANA.

Porque a maior de todas as loucuras é a normalidade civilizada.



É só eu que me sinto assim? A TV e a publicidade me ofendem a cada segundo com sua rasidão pseudo-importante. As pessoas se juntam pra festejar e nem bem dançam. As cidades construídas pras máquinas transitarem e os corpos macios e quentes e peludos dos humanos que restaram se esgueiram por passarelas invisíveis em viadutos escuros, cruzando os dedos pra que sua filhinha de colo não seja triturada por metal cromado acelerado. Neuromancer (do Gibson) e Crash (do Ballard) são proféticos. Os médicos proibem as pessoas de parir em casa. O núcleo biológico ameaçado; por todo lado, pinças mecânicas o penetram, manuseiam, punem, esquadrinham. No alto corre a corrente da alta-grana internacional, onde os lagartões moldam o mundo a sua imagem e semelhança (em cada lar, em cada família há um TOSHIBA, com sua respiração fria e metálica, um campo elétrico, uma criança crescendo no plástico e na pelúcia) - há um lugar onde a política encontra o dinheiro - você se liga a isso e sua casa é invadida por bolsas de plástico com líquidos doces e estimulantes, pra que você suporte - antes qualquer um podia caminhar (ou mesmo estacionar) ao lado de um rio e se jogar - cuidado com as arraias, isso é tudo - mas agora está tudo poluído, poluído, irreversivelmente - e falar em nome da vida começa a ser vergonhoso pois há gente demais!! - e que glória há em ter um mundo envelhecido? quantos de nós envelhecem ainda vivos? - toda criança é claramente uma estrela, mas isso vai se apagando...



BeloMonte / chute os crackeiros / isso não te faz bem, vamos cuidar de sua saúde / afinal o país precisa de energia! você não quer desenvolvimento? ...tem algo crescendo demais, demais... e o resto se apequena em comparação. Uma ilusão é achar que exista uma faculdade humana em especifico que seja inerentemente mais valiosa que as outras - pensamento, sentimento, sensação, intuição, dentre outras - caio no velho tropo hippie de que precisamoas voltar a SENTIR (o engano é pensar que dá pra dispensar o pensamento também - criar um totalitarismo sentimental, a mesma opressão só que às avessas). É meio ilusório falar em revolução 'por fora' ou 'por dentro' porque elas sempre se espelham: o homem que oprime a mulher fora, oprime o lado de si que queria ser mulher, o lado de si que poderia ser mulher (e porque não? são só jeitos de se mover, de sonorizar, etc, e seu corpo pode tanto! pode tudo!) - xingue uma criança e observe ela repetir o comportamento com seu bonequinho no dia seguinte. O princípio da cadeia de comando: da alta grana-política draconiana pelos capilares até cada corpo, um peso depositado pelas costas, massacrado a trabalhar dia após dia com coisas insignificantes - tentando preservar na própria vida o restinho do restinho do que restou da dignidade-de-gente, o restinho da família - do que uma vez foi a família - todo mundo ainda quer desenvolvigente, no fundo no fundo. Uma vida vendida em nome de uma prosperidade que é impossível: São Paulo é a prova. Não tem como todo mundo ter um carro. Não tem como todo mundo levar uma vida de consumismo classe média. Não cabe no mundo. E enquanto isso, desenhamos um mundo pra ciclopes.



Eu acho que preferia o risco da floresta, morrer de picada de escorpião, viver sem repelente de inseto. Eu não posso ter certeza até viver mais, (mas a vida na terra se aproxima de um beco sem saída então há mesmo uma comparação a ser feita?), mas eu prefiro algo de selvagem, algo de vivo, onde os quadris ainda se movem, e o vento e o silêncio e a água fria com a Maravilha flutuando por sobre ela, (o problema não é a ciência, é a religião materialista que se traveste de ciência, e a superstição hierarquizada que se traveste de religião) - nada disso se compara à experiência Imediata do Sagrado & da Magia. Ouço os pigmeus cantando junto (todo o bando) em gritos e palmas - quão raro encontrar pigmeus urbanos nessas terras desoladas do Fim dos Tempos! - falo de um não-lugar onde o Surrealismo e os Índios de toda parte se encontram - há índios autoritários e autoritarismo em índios mas eu posso selecionar o que quero e então falo só daqueles loucos que se vestem com presas de bicho e penas de pássaro e máscaras improváveis vivendo à margem da natureza pan-caósmica e a sociedade codificada - e há neo-índios também porque não? É índio todo que é Filho de Sua Terra e sabe não a possuir, e sim ser possuído - todo aquele que quer falar como gente, mas também como pássaro peixe e garra - toda mente sutil e corpo alerta pras vozes incontáveis do fundo de tudo. Há indios caminhando pela planíce Trágica, Armagedônica e Cyberpunk,



A paisagem desolada, os prédios de concreto, a fumaça escura, é isso que criamos? São Paulo, Aberração - São Paulo, a ponta da lança do Progresso - Cana, Café e Cocaína - Sampaulo de Kassabalkmin e o vampiro Serra - o céu amanhecendo na cor de televisão fora-do-ar - esfarrapados queimam os restos de móveis de madeirite tornados obsoletos pela promoção das Casas Bahia - Brasil, a Nova China, tirando que não - e a classe C se dopa com a catarse emocional neopentecostal - é bom ter uma catarse! Melhor do que viver tenso e entupido - JESUS o relaxante universal - mas o diabo está em toda parte, e a necessidade constante de defesa interna & externa - autodefesa perante a própria sombra! - impede o natural descarrego das tensões, criando dependência da catarse - MAIS UMA DOSE DE JESUS POR FAVOR - e é fácil falar de teologia da prosperidade quando o país passa por um extra de mão-de-obra criado por uma pirâmide demográfica singular: mais jovens em idade de trabalho que crianças e velhos - e a China retrocede pelo oitavo mês seguido, o novo e velho mundo queimam ao fundo, aqui se financia casas a 30 anos de prestação - você acredita em 2035? Eu não - a pequena bolhinha do Brasil segue crescendo. Agora profetizo: quando a bolhinha estourar, a teologia da prosperidade vai virar ao bom e velho milenarismo e caça às bruxas - e eles já estão com uma perna dentro do Poder - Estamos perdendo, eu preciso desabafar isso.


5 comentários:

  1. Tanto sufocamento, tanta dor nesse firmamento!
    E quem ainda está disposto a oferecer uma flor ou um sonho para quem está preso nessa rotina?

    Quem vai libertar esses escravos que não sabem que possuem grilhões?

    A imaginação está morta e enterrada, são mil evangelizadores e poucos os que pregam outras palavras.

    Tudo sufoca nessa indústria de cultura e massa.

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  2. Hey, gostei do texto. Mais da forma, na verdade - reflexo de sua formação? Em exercício de observação posso arriscar em dizer que é um acadêmico de filosofia. Esse formato é agradável pois parece um protótipo de cultura.... diversa da minha e do cotidiano. Mas não é por este elogio que escrevo. Quero saber um pouco mais. Aqui há uma constatação - um tanto quanto óbvia, vale ressaltar. O que devo fazer, portanto? Desistir dos bens e ir viver numa terra erma? Pois é fácil alienar-se dessa insanidade..... Procuro um objetivo, o que sugere? (considerando atos, excluindo "colocar uma bala na cabeça")

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    1. Sou das ciências sociais, antropologia, "filosofia com povo dentro" como dizem alguns. Mas a forma deve mais (ao meu ver) à poesia beat, Ginsberg, Burroughs, ao surrealista Piva, um pouco de André Breton, tributos ao velho Henry Miller e outros que não lembro agora. Obrigado pelos elogios anyway!
      Quanto às saídas: não acredito em fórmula única nem plano de cima pra baixo; opto por apostar no desejo, na subjetividade como única bússola contra a objetividade do poder (e aí sigo os situacionistas). Há um tempo cunhei pra mim a fórmula "caos, esquizoanálise, mídia tática". Esquizoanálise é um nome que uso genericamente pra falar das artes, ciências e processos de produzir "inversões de perspectiva", saindo da perspectiva do poder rumo a perspectiva do desejo. Um exemplo de esquizoanálise ocorrendo em larga escala foram os Ocupa Sampa, Ocupa Rio, e talvez outros. Mais sobre a palavra dá pra encontrar nos livros da dupla de filósofos franceses Deleuze & Guatari, difíceis de ler mas valiosos. Mais coisas que provavelmente funcionam como esquizoanálises são terapias reichianas, algumas substâncias psiquedélicas como ayahuasca e cogumelo, meditações, experiências autogestivas / autonomistas e muitas outras experimentações que não lembro agora. Caos é algo que vai acontecer, quer queiramos quer não, e está acontecendo, e contamos com ele pra misturar as coisas e fertilizar o solo. Mídia tática é circular informação diferente das circuladas pelos grandes veículos de mídia: feminismo, antropologia anarquista, yoga, informações sobre rebeliões atuais, idéias que fogem às grandes vias do pensamento já estabelecidas, etc. Então, o meu triângulo é Caos + revolução dos corpos&coletivos + informação. Cada um pode encontrar o seu caminho em seu desejo, anyway. Lutar, fazer frente, curar a tal insanidade, armar sua guerrilha psíquica: há um prazer nisso, acho que o próprio desejo, o próprio impulso de vida segue naturalmente esse caminho - se não seguir, achemos outro caminho, porque a única revolução que acho valer a pena é a revolução baseada no impulso vital, na potência.
      Tem quem vá querer meter a mão na lama e trabalhar a escuridão total das cidades: as margens sujas, sitiadas, os lixões, os crackeiros e toda a cranqueira; tem quem vá querer ir pro campo e lutar lá, seja contra os interesses das corporações em pilhar e lotear as áreas preservadas, ou os restos das tribos nativas daqui; tem quem queira ir no campo pra pesquisar e construir comunidades do futuro, que possam fazer um futuro se inocular no presente distópico e de curto prazo que vivemos atualmente. Tem quem queira ficar meditando na montanha e se for seu desejo, faça! Ache um jeito! Se você é uma pessoa a menos insatisfeita, explorada e miserável espalhando seu veneno na cidade, você já começou a ajudar. Não há solução única; só acredito em aberturas. Estamos perdendo, mas o fracasso faz parte do plano, e a luta vale a pena em si mesma, pela liberdade que ela amplia a cada passo - ou isso ou não vale a pena. Termino dizendo que fomos educados pra servir & obedecer. De forma similar, precisamos nos re-educar para a liberdade. Isso exige tempo, esforço e pesquisa. Pra espontaneidade vital surgir é necessário muito planejamento! - mas ninguém que já deu uma festa, na vida, há de estranhar isso. Não há contradição alguma nisso, e se falharmos, falharemos com a tranquilidade de quem tentou. Abraços!

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  3. Bom dia. Não precisava responder o comentário com tanta propriedade (!) - sinto-me pequeno diante de tal coesão e brilho de idéias. Como mencionei, é uma realidade diferente da minha. Sou das ciências exatas, da ordem e da lei (inclusive projetando nanomáquinas de guerra), mas há um centelha que busca um caminho diferente. Isso evoca uma (singela) lembrança de um documentário com aquela experiência do labirinto e dos ratinhos. Observavam que após um tempo, o ratinho já tendo assimilado o caminho correto e o executando com perfeição, começava com um comportamento anormal, procurando um caminho diferente. Era associado a inteligência. Poderia encontrar uma ilha maior de queijo. Sinto-me desta forma. Objetivamente e de forma calculada (gostaria de colocar numa prancheta). Acho que esse comportamento é instintivo. A respeito de objetivo, é interessante(íssimo, na verdade) o sucesso consistindo na falha... pois a liberdade plena não me parece sinônimo de felicidade. Paradoxalmente só encontro um pouco de serenidade quando restrinjo voluntariamente minha liberdade... nós somos "feitos de tristeza devido ao vazio que nos constitui e à liberdade sem limites que nos assusta"? Por hora persigo o poder (e o esforço/estudo/conhecimento que mencionou para mim são facetas dele), principalmente sobre mim - não encontrei (ainda) a finalidade disto... mas parece... sei lá... um caminho.... Quanto a essas drogas, sempre me preocupam o poder de adicção e... flashbacks.....? Enfim, obrigado pela resposta tão bem elaborada. Recentemente tentei entender uma pessoa com cultura semelhante à sua mas encontrei diversos obstáculos pois provavelmente era apenas uma reprodução pálida e magra, enquanto vc é um mago.... qual é o seu e-mail? Abraço!

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    1. Respondi seu comentário com um post de blog:
      http://rota32.blogspot.com.br/2012/11/canto-da-potencia.html

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