segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Que que pega aqui na área


Pawel Kuczynski

Aqui na minha área, mega-fazendeiros que vendem soja pra China tão devastando o interior, trocando matas e serras abundantes & intrincadas por centenas de km (literalmente) de megafazendas venenosas. Toda aquela diversidade retificada até restar só um deserto verde e monótono.
A diversidade cultural é devastada também; interior agro-boy "barretizado", sem livrarias mas muito sertanejo unversitário made-in-microondas. O povo em sua maioria conservador, elitista, e cada vez menos hospitaleiro. Na ausência da vegetação nativa, o clima vai esquentando por todo canto. Nos rios não dá mais pra nadar (e nada de praia nas cidadonas). "Progresso", no meu país, acaba tendo implicações verdadeiramente INFERNAIS.
Bom, em todo canto né? Cada espécie extinta é mais um passo próximo de um colapso ambiental completo. Cada buraco no ciclo da vida é mais um desbalanço se somando a outro, até que de repente a parada balança tanto que a casa cai.
A gente tem mãos fortes de robô, mas não consegue manusear a vida com suficiente delicadeza. (coloca isso na conta de 10000 anos ou mais de patriarcado).

Por outro lado, todo mundo tá juntando dinheiro, trabalho tá abundante, e coisas são descartadas e substituídas loucamente, geral tem gadgets bunitos. Algumas coisas boas aconteceram e algumas muito boas (como a mentalidade melhorando graças a redes sociais), velhos sistemas de poder meio incomodados pelas capacidades novas de organização das pessoas. Mas tudo ainda é basicamente injusto, baseado em puro roubo disfarçado de mercado e política, e o maldito fim do mundo continua acontecendo.

Pawel Kuczynski

A gente tem na nossa cola um peso histórico que não vai evaporar da noite pro dia. Quero dizer karma, encadeamentos de causa e consequência, inércia, 10000 anos de opressão. Eu quero dizer GENOCÍDIO e ESCRAVIDÃO EM MASSA de meus ancestrais. Os índios de cá tinham suas guerras de vendetta e pá, mas era diferente. Talvez eu possa dizer que havia alguma honra, alguma justiça, e verdadeira afeto e sofisticação cultural no rolê das antigas vendettas (1) - mas 'xá pra lá; O que importa é que esse papo de genocídio não é só história, é agora, os mega-fazendeiros compraram o congresso e tão roubando as terras restantes dos índios. E quanto à escravidão, o povo preto ainda pobre e ralando pra sustentar us branco e preconceito vide rolêzim etc, e alguns gadgets não consolam quando a vida é gasta trabalhando no inferno.

Quando a Europa en masse trocou a perspectiva do corpo pela perspectiva do poder (o poder como controle, conceitualizado pelo ego, em oposição à potência e o prazer vividos no corpo), ela abandonou a conexão com os ritmos que regem a vida. Então até que o corpo seja redescoberto, e incluído, nossas criações levarão a marca dessa distorção, a falta de uma graça ou cadência natural. A gente perdeu até a linguagem pra articular as coisas em termos éticos-estéticos. Os gregos antigos falavam de ARETE, virtude, mas não num sentido moralista; virtude como um tipo de potência, de graciosidade natural, de equilíbrio. (2)

O OUTR@ de "terceiro mundo", das margens, é o CORPO do gringo, do "homem vitruviano cego e surdo, falando pelos cotovelos". O corpo amarrado & lavrado pela civilização - é à mulher amarrada e calada pelo patriarcado. O que está em cima é como o que está embaixo...

Pawel Kuczynski

É NECESSÁRIO & URGENTE redescobrir OS RITMOS DO CORPO. Para tal é necessário abrogar toda sensação de culpa, todo moralismo, para produzir novamente saberes corpóreos, para retomar a criatividade alinhada com os ritmos biológicos. Para isso é necessário a derrubada do patriarcado, do estado, do homem branco. Para isso são necessárias revoluções transversais (ie., revoluções que atravessem desde a esfera micropolítica, modificando a relação do sujeito consigo mesmo, até chegar às instituições e organizações macropolíticas).

Tenho questionado o ativismo. Sei que não sou o primeiro, mas nessa busca de re-ligação com o ritmo natural percebo cada vez mais claramente que o primeiro passo é PARAR. CESSAR A ATIVIDADE. Tornar-se improdutivo, ou melhor, aventurar-se nas atividades que são determinadas como improdutivas pelo sistema de roubo/escravidão/reação instituído. Apenas a partir da parada é possível re-avaliar a situação, situar-nos em meio ao contexto global, e sob esse fundamento, nos unir.

NÃO HÁ VERDADEIRA ESQUERDA, CONTRACULTURA, ALTERNATIVA que não seja NO CORPO. Fugere urbem... Pra além das fronteiras da "razão" ocidental (que é só um tipo particular de desrazão), lá onde a gente devêm criança, bicho, índio, mulher, ali onde o conhecer finca seus pés na terra e joga capoeira com a vida. (3)

(1) Ver Viveiros de Castro, "A Inconstância da Alma Selvagem"
(2) Ver Peter Kingsley (infelizmente só em inglês) falando sobre a perda de raízes da cultura européia, e sobre a incompreensão da academia para com os filósofos pré-socráticos.
(3) Ver Donna Haraway, primatóloga feminista, falando sobre a necessidade de abandonar a visão objetivista/patriarcal "das alturas" em nome de um perspectivismo corporificado.

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